Com a violência
social que vivemos hoje em dia, muitos de nós já passamos por situações
estressantes e traumatizantes ou conhecemos alguém que já vivenciou um
assalto, sequestro, violência física, psicológica, sexual e entre outras. E
diante daquela pessoa vítima, nos deparamos com muitos sofrimentos e dificuldades,
que acabam interferindo na vida pessoal, acadêmica e profissional da vítima. Eis que surge uma questão: qual a consequência neuropsicológicas do
transtorno de estresse pós traumático? O que acontece com nosso cérebro que
prejudica nossa vida de forma geral?
Segundo a Associação
Americana de Psiquiatria (2002), os critérios do transtorno de estresse pós
traumático (TEPT) são agrupados em três categorias de sintomas: reexperiência
intrusiva do trauma, esquiva persistente de estímulos associados com o trauma e
entorpecimento da reatividade geral e sintomas persistentes de excitabilidade
fisiológica.
No CID 10 (Código das
Doenças Internacionais – 10ª edição, 2006) em sua última versão, o estresse
pós-traumático caracteriza-se como uma resposta tardia e/ou protraída a um
evento ou situação estressante (de curta ou longa duração) de natureza
excepcionalmente ameaçadora ou catastrófica. E, reconhecidamente, causaria
extrema angústia em qualquer pessoa. O paciente experimentou, testemunhou ou
foi confrontado com um evento ou eventos que implicaram morte ou ameaça de
morte, lesão grave ou ameaça da integridade física a si ou a outros.
Cognitivamente
falando, o TEPT é ainda entendido como, um distúrbio da memória, devido às
falhas no processamento da informação do evento traumático, que podem estar
associados: ao processamento seletivo do conteúdo do evento traumático, á
generalização dos estímulos explícitos e implícitos da memória traumática, a
problemas para o esquecimento direto do conteúdo traumático da memória, a
problemas na recuperação das memórias autobiográficas (Macbally, 1998 apud Borges e Dell’Aglio, 2008).
De acordo com Bremner
(1999), Glaser (2000) e De Bellis (2005) apud
Borges e Dell’Aglio (2009) o abuso tem efeito sobre os processos de maturação e
organização cerebral, devido a hiperativação crônica dos sistemas neurais de
resposta ao estresse.
Pesquisas de
neuroimagem indicam a presença de prejuízos no hipocampo, hipotálamo, amígdala,
córtex pré frontal e giro cingulado anterior. Estas regiões estão implicadas na
regulação emocional, aprendizagem, memória, atenção e controle executivo.
Observa-se redução do volume cerebral, do hipocampo, do corpo caloso, giro
cingulado anterior, giro cingulado superior e córtex pré frontal e aumento dos
ventrículos laterais.
Grinker e Spiegel
(1945), Kardiner (1941) e Tem (1993) apud
Silva (2000), dizem que memórias traumáticas são codificadas de um modo
diferente do que memórias de eventos comuns, isto porque o estado emocional, em
que o individuo se encontra, interfere na função do hipocampo que estão ligados
com a memorização.
Pesquisas
neurobiológicas e neuropsicológicas do transtorno de estresse pós traumático
sugerem que as memórias intrusivas do trauma são acompanhadas de altos níveis
de excitabilidade fisiológica, as quais ativam o hipocampo, a amígdala, o lobo
temporal inferior, o córtex pré frontal e o eixo hipotálamo – hipocampo – amígdala
(HHA) (Elzinga & Bremner, 2002; Pine, 2003 apud Borges e Dell’Aglio, 2009).
Os
mesmos autores citam que falhas na inibição dos estímulos cognitivos, baixa
capacidade de inibição emocional, maior presença de lembranças intrusivas e
déficits de atenção sustentada foram relacionadas aos prejuízos no
funcionamento do córtex pré frontal.
Estudos
indicam também um baixo desempenho na memória verbal declarativa, memória
imediata, habilidades visuoconstrutivas, atenção sustentada e nas funções
executivas; pior desempenho em tarefas de atenção e raciocínio. O baixo
desempenho na atenção pode estar associado à disfunção do córtex frontal e de
suas conexões com o sistema límbico. (Bremner, Vermeth, Afzal & Vythilingam
(2004); Vasterling & colaboradores (2002); Yehuda, Gobier, Halligan &
Harvery (2004), Beers & De Bellis (2002) apud Borges e Dell’Aglio (2009).
Eventos
traumáticos ativma os sistemas neurais de resposta ao estresse: sistema nervoso
central, sistema nervoso periférico, sistema neuroendócrino e sistema imunológico
(De Bellis, 2001; Glaser, 2000; Yehuda, 2001 apud Borges e Dell’Aglio, 2008). Também observaram que os prejuízos
nas funções cognitivas, verificados através de testagem neuropsicológica são:
memória, envolvendo recuperação imediata de informações verbais e visuais;
atenção verbal e visual; funções executivas, incluindo provas de resolução de
problemas que estão relacionados com as seguintes estruturas: hipocampo,
amígdala, córtex pré frontal e giro cingulado.
Diante do acima
exposto, as dificuldades observadas nos pacientes com estresse pós traumático
não são só de cunho emocional, mas também cognitivo. Deve-se, portanto, incluir
no tratamento, além da psicofarmacoterapia, a avaliação neuropsicológica para
constatar as funções prejudicadas e reabilita-las, psicoterapia com o objetivo
de dar suporte e promover mudanças no estilo de vida do paciente.
APA
– Associação Americana de Psiquiatria.
Manual diagnóstico e estatístico de
transtornos mentais. Porto Alegre: Artmed, 4 ed., 2002.
BORGES, J.L; DELL’AGLIO, D.D. Relação entre abuso sexual na infância,
transtorno de estresse pós traumático e prejuízos cognitivos. Maringá:
Revista Psicologia em estudo, vol 13, n 2, p.371-379, 2008. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/pe/v13n2/a20v13n2.pdf
Acessado em: 10.12.10
Organização
Mundial de Saúde. Classificação de
transtornos mentais e de comportamento da CID 10. Descrições clínicas e
diretrizes diagnósticas. Porto Alegre: Artes Médicas, 1993.
SILVA, I.R. Abuso e trauma: efeitos da desordem de estresse pós traumático e
desordem de múltipla personalidade. São Paulo: Vetor, 2000.
Raquel Formigoni Dias
Psicóloga e Neuropsicóloga